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A hora da estrela
Autor
Clarice Lispector
Editora
Rocco
Tradução
Gordura e tristeza: um luxo só
“... Macabéa, esqueci de dizer, tinha uma infelicidade: era sensual. Como é que num corpo cariado como o dela cabia e lascívia, sem que ela soubesse que tinha? Mistério. Havia, no começo do namoro, pedido a Olímpico um retratinho tamanho 3x4 onde ele saiu rindo para mostrar o canino de ouro e ela ficava tão excitada que rezava três pai-nossos e duas ave-marias para se acalmar.
Na hora em que Olímpico lhe dera o fora, a reação dela (explosão) veio de repente inesperada: pôs-se sem mais nem menos a rir. Ria por não ter se lembrado de chorar. Surpreendido, Olímpico, sem entender, deu algumas gargalhadas.
Ficaram rindo os dois. Aí ele teve uma intuição que finalmente era uma delicadeza: perguntou-lhe se ela estava rindo de nervoso. Ela parou de rir e disse muito, muito cansada:
— Não sei não...
Macabéa entendeu uma coisa: Glória era um estardalhaço de existir. E tudo devia ser porque Glória era gorda. A gordura sempre fora o ideal secreto de Macabéa, pois em Maceió ouvira um rapaz dizer para uma gorda que passava na rua: "a tua gordura é formosura!" A partir de então ambicionara ter carnes e foi quando fez o único pedido de sua vida. Pediu que a tia lhe comprasse óleo de fígado de bacalhau. (Já então tinha tendência para anúncios.) A tia perguntara-lhe: você pensa lá que é filha de família querendo luxo?
Depois que Olímpico a despediu, já que ela não era uma pessoa triste, procurou continuar como se nada tivesse perdido. (Ela não sentiu desespero etc. etc.) Também que é que ela podia fazer? Pois ela era crônica. E mesmo tristeza também era coisa de rico, era para quem podia, para quem não tinha o que fazer. Tristeza era luxo. “