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Agora é que são elas
Autor
Paulo Leminski
Editora
Brasiliense
Tradução
O cometa que engatinha atrás dos seios da mãe
“... Uma vez, fui com Norma passar uns dias numa casa de campo que o professor Propp tinha, aquela que teve que vender para pagar as aulas de violoncelo, instrumento que era a loucura do velho.
A gente ficou, Norma e eu, deitados na grama, de mãos dadas, a cara dando direto para o céu pinicando de estrelas, aquela luz tão aguda que doía nos olhos. E começamos a chorar, sem nem mesmo saber a troco de quê. Talvez a gente chorasse porque elas estavam tão longe. Talvez fosse por que a gente ficava tão coisa alguma debaixo daquilo tudo. Talvez a gente estava só com vontade de chorar, e pronto. E assim a noite estrelada passou por cima de nossas lágrimas, como um rei vitorioso passa a cavalo por cima dos cadáveres do exército inimigo derrotado. Mas o frio da noite secava o que a gente chorava. E, na falta de ter alguma coisa para dizer, comecei: — Aquela é Andrômeda, na constelação de Órion. Era a filha de um sacerdote de Apolo, Júpiter se apaixonou por ela, nove meses depois ela deu à luz a uma menina. Júpiter, que queria um filho homem, transformou a mãe em estrela e a filha num cometa, que, nas noites de julho, dá pra ver passando perto da estrela, é a filha de Andrômeda querendo mamar. E daí choramos mais ainda, choramos a dor da filha de Andrômeda, cometa engatinhando atrás dos seios da mãe. De repente, começamos a rir como dois imbecis. Aquilo era tudo ridículo. Dois adultos olhando para as estrelas, e chorando. Norma formulou, enxugando as lágrimas: — Primeira estrela que vejo, satisfaça meu desejo. Perguntei: — E o que é que você mais deseja? Uma noite e tanto. Voltamos para a casa, eu com o queixo doído, e vários pentelhos presos entre os dentes. “