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Cenas da vida minúscula

Autor

Moacyr Scliar

Editora

L&PM

Tradução

Palavra de rei não volta atrás

“... — Quero uma mulher disse o rei. — Sim, sei o que estás pensando: quer uma mulher, esse que agoniza? Não lhe bastam todas que teve? E eu te respondo, Habacuc: não, não me bastam. Tive-as todas, posso ter qualquer uma delas neste momento, se quiser. Mas te digo: com nenhuma delas cheguei ao êxtase, ao verdadeiro clímax da paixão. Gozei, sim, gozei vezes sem conta. Mas o simples prazer nunca me satisfez. Quero mais, Habacuc. Quero a grande mulher, a fêmea das fêmeas. E eu sei que ela existe, Habacuc. Porque eu a vi. Ou acho que a vi. Interrompeu-se de novo. O sofrimento transparecia-lhe na face; provavelmente sentia multa dor. Mas Habacuc nada lhe perguntou a respeito, nem estendeu a mão para ajudá-lo. Permanecia imóvel, em silêncio, à espera. Por fim, Salomão prosseguiu:

— Isto foi há muito tempo... Eu era jovem. Certa noite, acordei sobressaltado; alguma coisa me inquietava; me inquietava e me excitava. Corri ao pátio do palácio, saltei sobre o dorso de minha águia que imediatamente alçou voo, transportando-me através do oceano. Chegamos a uma região de matas verdejantes e rios caudalosos; era, como já deves ter imaginado, o país das amazonas. E então avistei, ou penso ter avistado uma mulher. Ela montava, ou acho que montava, um cavalo branco. Era, ou teria de sê-lo, linda. Vi, ou adivinhei, longos cabelos pretos; vi, ou adivinhei, olhos amendoados; vi, ou adivinhei, uma boca de lábios túmidos. Vi – mas isto devo de fato ter visto, não pode ter sido só imaginação, a lembrança é real demais, mesmo agora, neste momento em que as sombras da morte já turvam meu olhar, esta visão se faz presente –, vi seios empinados, perfeitos. E longas coxas, e delicados pés, e tudo o que quiseres, Habacuc. Perguntarás: mas por que não desceste à terra, por que não foste ter com ela? Por que não a arrebataste em tua águia, fazendo amor então entre nuvens? Nuvens não havia, Habacuc, e a águia, por alguma razão qualquer, não obedeceu ao meu comando: trouxe-me de volta, a estúpida ave, num abrir e fechar de olhos. Tive de consolar-me com duas concubinas, naquela noite; mas te digo, desde então não esqueci a amazona. Não morrerei sem tê-la, ainda que minha agonia se prolongue por anos. Tu vais buscá-la para mim, Habacuc. Podes fazê-lo; és agora um mago. Quem desvenda destinos estudando a disposição dos astros no firmamento há de encontrar uma mulher em meio à selva. És um mago – e és meu filho. A paixão que me inflamou durante todos estes anos inflamará a ti, e te guiará, como um facho a iluminar o caminho, na floresta. Partirás com a frota fenícia, dentro de três dias. Mais uma vez teve de parar; falar era, para ele, um esforço descomunal. Talvez por causa da doença; talvez pela humilhação que é ter de pedir ao filho uma mulher. E aí algo ocorreu-lhe: algo estranho (ou não tão estranho assim, considerando tratar-se do imprevisível Salomão)...“

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Design e mentoria por Victor Luna

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