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Como curar um fanático
Autor
Amós Oz
Editora
Companhia das Letras
Tradução
Paulo Geiger
Melhor antídoto contra um fanático: injetar doses de imaginação
“ ... Permitam-me divagar com uma história, sou um notório divagador, sempre divago. Um querido amigo e colega meu, o maravilhoso romancista israelense Sammy Michael, teve certa vez a experiência que alguns escritores têm de tempos em tempos, de uma longa viagem intermunicipal de carro na qual o motorista estava proferindo a costumeira palestra sobre como é imprescindível para nós, judeus, que se matem todos os árabes. E Sammy o escutava, e em vez de gritar "Que homem horrível você é. Você é um nazista, você é um fascista?", ele decidiu lidar com aquilo de modo diferente. Ele perguntou ao motorista: "E quem você pensa que deveria matar os árabes?". O motorista disse: "O que você acha? Nós! Os judeus israelenses! Temos de fazer isso! Não há alternativa, veja só o que eles estão fazendo conosco todo dia!". "Mas quem exatamente você acha que devia se encarregar da tarefa: A polícia? Ou o Exército? Ou talvez os bombeiros? Ou as equipes médicas? Quem deve realizar o trabalho?" O motorista coçou a cabeça e disse: "Acho que devia ser dividido de maneira equitativa entre todos nós, cada um devia matar alguns deles". Sammy Michael, ainda jogando o jogo, disse: "OK, suponha que você seja designado para algum bloco de residências em sua cidade, Haifa, e você vai bater de porta em porta, ou tocar a campainha, e perguntar: ‘Perdão, senhor, ou com licença, senhora, por acaso o senhor/ a senhora é árabe?’. E se a resposta for sim, você atira nele/ nela. Aí você termina o serviço em seu bloco e está pronto para ir para casa, mas assim que se vira você ouve em algum lugar num quarto andar de seu bloco o choro de um bebê. Você voltaria para atirar no bebê? Sim ou não?", perguntou Sammy ao motorista. Houve um momento de silêncio e então o motorista disse a Sammy Michael: "Sabe, você é um homem muito cruel".
Então, essa história é muito significativa, porque existe alguma coisa na natureza de um fanático que essencialmente é muito sentimental e ao mesmo tempo carece de imaginação. E isso às vezes me dá esperança, embora uma esperança muito limitada, de que injetar alguma imaginação nas pessoas pode ajudar a deixar o fanático incomodado. Não é um remédio de ação rápida, não é uma cura rápida, mas pode ajudar.”
Mais de
Amós Oz

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