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Mar morto
Autor
Jorge Amado
Editora
Martins
Tradução
O dia em que João Pequeno bebeu água
“... Os barcos de pesca voltaram para o cais. Alguns mal tinham começado a pescaria e não tinham feito ainda para as despesas. Rufino voltou com a canoa do meio da baía. Saveiros que já estavam com as velas levantadas e a âncora suspensa, baixaram a âncora e arriaram as velas. No entanto o céu era azul e o mar sereno. O sol clareava tudo e até clareava demais. Mesmo por isso os barcos de pesca haviam voltado, Rufino trouxera a canoa para o Porto da Lenha, os saveiros arriaram as velas. A água foi mudando de cor, de azul que era ficou cor de chumbo. Severiano, um canoeiro decidido, veio andando para o lado do cais dos saveiros. Vendo que os saveiros não saíam, várias pessoas deixaram o mercado e tomaram o elevador. A maioria, porém, se deixou ficar porque o tempo estava bonito, o céu azul, o mar sereno, o sol brilhante. Para eles nada estava para acontecer. Severiano se aproximou e falou para mestre Manuel e Guma: — Vai ter coisa braba, hoje... — Quem saí que é doido... Puxaram fumaça dos cachimbos. Pessoas entravam e saíam do Mercado Modelo. O sol reluzia nas pedras pequenas do calçamento. Na janela de uma casa uma mulher estendia uma toalha. Marinheiros trepados no dorso de um navio o lavavam. O vento começou a correr sacudindo a areia que voava. Severiano perguntou: — Tem muita gente no mar? Mestre Manuel olhou em volta. Os saveiros balouçavam sobre pequenas ondas. — Que eu saiba, não... Quem tiver fica por Itaparica ou Mar Grande... — Eu não queria tá nágua numa hora dessa... O velho Francisco se juntou ao grupo que ia aumentando: — Foi num dia assim que João Pequeno bebeu água... Ora, João Pequeno foi o mestre de saveiro que mais conhecia da profissão naquele cais inteiro. Sua fama era respeitada muito longe. Homens de Penedo, de Caravelas, de Aracaju falavam nele. Seu saveiro ia mais longe que todos os outros e não temia temporais. Entendia tanto daquela barra que um dia João Pequeno foi convidado para prático. Entrava com os navios nas noites de tempestades. Ia buscá-los lá fora, pulando sobre as ondas e os trazia evitando os perigos da barra difícil nos dias de temporal.
Pois numa noite assim calma, só que o mar estava cor de cobre, ele se aventurou a sair. Um navio não sabia o caminho, vinha à Bahia pela primeira vez. João pequeno não voltou da aventura. O governo deu uma pensão à mulher dele, mas depois cortou por economia. Hoje de João Pequeno só resta a fama na beira do cais. O velho Francisco, que o conheceu, já contou a história de João Pequeno umas cem vezes. E os que o escutam ouvem-na sempre com respeito. Dizem que João Pequeno aparece nas noites de tempestade. Muitos já o viram vogando em cima dos saveiros, procurando o navio perdido na bruma. Até hoje João Pequeno ainda procura o navio. E não descansará enquanto não o levar ao porto. Só então começará o seu passeio bem-merecido com Iemanjá pelas Terras do Sem-fim. “