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Os bêbados e os sonâmbulos

Autor

Bernardo Carvalho

Editora

Companhia das Letras

Tradução

O capitalismo americano no divã

“... Isto não é uma ficção, embora pareça. Na verdade, sempre acreditei num poder antecipatório da literatura. Robert Walser, o escritor suíço, foi encontrado morto, deitado na neve, no meio do campo, décadas depois de fazer um de seus personagens morrer da mesma forma. A própria Ivone, que não é boba, uma vez me disse que, se fosse assim tão fácil, bastaria escrever que meus livros vendiam milhões de cópias e que eu tinha recebido o prêmio Nobel para ter a vida ganha. Mas não é assim. Esse poder antecipatório da literatura justamente não vem da escolha. Mais de uma vez escrevi sobre homens sem escrúpulos, sem moral, sem caráter, dispostos a qualquer coisa para executar atos de uma curiosa perversão, em que dinheiro e sexo eram inseparáveis. Tipos horríveis, eu achava. Nunca soube expressar ao certo o que me atraía nesses personagens. É verdade que meu pai tinha uma relação estranha com as pessoas e o mundo, que envolvia

sexo e dinheiro, e que envolveu a mim, minha irmã, minha mãe e todas as outras mulheres da vida dele (inclusive a aeromoça). Nunca soube explicar se vinha daí o meu interesse. Era apenas natural; esses personagens me fascinavam. O estranho é que pudesse dizer, sem sombra de dúvida, que os detestaria se os encontrasse na vida real. Até encontrar P. M. há dez anos. Tinha ido a Nova York para pensar. Precisava de um tempo. No meio da vida, não sabia mais se queria ser escritor, arquiteto ou homem de finanças, um simples especulador. O fato de estar num lugar onde ninguém falava a minha língua só fez piorar a indisposição inconsciente para a primeira opção (nunca dei para escritor), promovendo, sem que no fundo eu realmente a desejasse, a segunda, em que me formei. Foi ao conhecer P. M. que surgiu a terceira, como uma alternativa autodestrutiva (era ele mesmo que usava esse termo a torto e a direito), já que nela me tornava apenas um espelho do que ele era, anulando ao mesmo tempo tudo o que eu tinha sido até então. No processo de não querer mais ser o que eu era, ele foi apenas a pá de cal. Quis me fundir nele, me confundir com o seu sangue, matar e morrer, que era a mesma coisa. Ele era a caricatura de um outro país, de um lugar que não era meu, do que eu não podia ser mas queria a qualquer preço, a caricatura do capitalismo financeiro americano encarnado como uma doença psicológica (nele mas também em mim), um caso de patologia infantil, diria o velho psicanalista, que depois tentou me ajudar a esclarecer o mistério. “

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