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Três mulheres de três pppês
Autor
Paulo Emílio Sales Gomes
Editora
Cosacnaify
Tradução
Post mortem
“... A morte de Hermengarda não me deu trabalho. Seus parentes se encarregaram de tudo com o bom senso de impedir qualquer noticiário para evitar um choque aos pobres velhos de Jundiaí e Campinas. Mais tarde seriam avisados e poderiam vir para a missa do trigésimo dia. A do sétimo, como o velório e o enterro, foi realizada na mais estrita intimidade, excluídos até meus irmãos e suas mulheres. Comparecera apenas os membros de sua família residentes na capital, os afilhados Alf e Dec, alguns amigos da piscina entre os quais o pobre Cincinato e eu. Ninguém estranhou que eu estivesse só, habituaram-se a me ver assim em casa, nem sabiam se tinha irmãos ou amigos. Na verdade nunca os tivera. A secretária e o contador, os únicos da Imobiliária a quem comuniquei o luto, limitaram-se de acordo com minhas instruções a uma rápida visita de pêsames que aproveitei para passar-lhes procurações a fim de darem andamento aos negócios. Pedi-lhes que fossem tocando tudo, não sabia ainda quando voltaria a trabalhar. Seu suicídio me apanhara psicologicamente desprevenido apesar de tão claras as últimas páginas que me tinham feito chorar na grande vigília do caderno roxo. Não
me sentia capacitado para sofrer e sabendo que o aprendizado seria longo, não tinha pressa. Enquanto esperava a dor, tomei as primeiras disposições para o culto a Hermengarda. Desisti de adivinhar as linhas escritas frouxamente na capa do caderno com letra enorme. Nas primeiras anunciava o que acabara de fazer e na última esperava que Poly... – e ficara nisso. O efeito da droga fora mais rápido do que sua mão. Eu tinha pela frente muitos anos de expiação para fazer tudo o que Hermengarda esperava de mim. Já dera ordens no escritório para Av ser de novo acolhida no Grande Hotel em sua próxima cura. Escolhi seus objetos mais característicos: o batom, um lencinho com um longo H bordado, uma chave isolada, uma muda de peças íntimas e um resto de sabonete de eucalipto. Vasculhei metodicamente todos os móveis, separando aqui um vestido, ali uma sombrinha, um par de brincos dourados – as jóias, ofereceria às moças da família – um leque e alguns sapatos graciosos. O gavetão trancado me encheu de expectativa. Quando o abri com a chave encontrada na bolsa, minhas esperanças foram recompensadas: estava praticamente cheio de cadernos usados e apanhando um ao acaso reconheci num relance a letra. O tesouro fora descoberto, era o diário completo de Hermengarda! Guardei a relíquia no cofre da biblioteca e resolvi esperar a noite para iniciar a leitura. Queria me preparar espiritualmente para horas, semanas, anos da mais alta emoção. “