Uma história puxa outra como um trem

<h6>1</h6><h6>No colo do pai</h6><p> Meu nome é Francisca. Um nome fácil de se encontrar por aí. Também, fácil de falar e de escrever: Fran-cis-ca. Mas, muita gente me conhece mesmo é pelo apelido. Adivinhem qual é? Chica, é claro. Então, podem me chamar de Chica. Ou, se acharem melhor, porque sou velha, de Vó Chica. </p><p>Chi-ca: é mais fácil de escrever do que Francisca, não é? Bem, a história que vou contar a vocês é a história da minha vida. Mas aqui ela começa quando eu tinha 11 anos. Para contar a minha história é preciso que imaginem o lugar onde eu morava </p><p>quando era criança... O lugar é fácil de imaginar também, porque não deve ser muito diferente do lugar </p><p>onde moraram tantos avós como eu, quando eram pequenos. Quem nasceu numa vilazinha do interior, que, para dizer a verdade, nem vila era, era mais um amontoado de casas que se espalhavam ao lado de uma grande fazenda; um povoado de uma ruazinha só, como era a minha Matão, que ficava distante do lugar que chamavam de cidade, então saberá imaginar muito bem onde eu nasci e morei até ficar mocinha. </p><p>Lá em Matão, ainda não me chamavam de Chica. Eu era a Francisquinha. Francisquinha, porque era uma menina magrinha e de cabelo espetado. Chica veio </p><p>depois, com o tempo, quando me tornei adulta, mãe de meus filhos. Foi depois que fiquei assim gorda, gordona, do jeito que sou hoje. Também, pensem bem, toda Chica é meio gorda, não é? </p><p>De Matão, onde eu morava, para ir até a cidade – onde ficava o comércio –, quando a gente ia, minha irmã mais velha e eu, e meus dois irmãozinhos, que eram gêmeos, precisávamos todos andar rápido, quase correndo e de mãos dadas, um puxando o outro, atrás do pai e da mãe. </p><p>Desde manhãzinha até a hora do almoço a gente caminhava. Era um danado de um bom pedaço de chão até chegar à cidade. A gente saía logo cedo, assim que o dia clareava, e nem bem esquentava a perna e já estávamos passando em frente ao casarão da fazenda. </p><p>Naquele casarão vivia o dono da terra onde ficava o povoado e também de todas as terras que sempre existiram por lá, pelas bandas de Matão, desde que o mundo é mundo. </p><p>Eu era criança, me lembro: eu ficava olhando para aquele casarão branco, imenso, cheia de arcos, que mais parecia um castelo encantado. Naquela hora da manhã, só se ouvia o bem-te-vi que, de longe, quando via a gente passar já começava a cantar: bem-te- vi, bem-te-vi, bem-te-vi! E o pai mandando a gente passar em silêncio, bem quietinhos, sem fazer nenhum barulho. E também cantava a sabiá, que sabia que a gente seguia para a cidade. De repente, do telhado do casarão, voava a tesourinha, com seu peito branco e o rabo preto, comprido, o meu pássaro preferido, que sempre achei o mais chique de todos. Voava tão alto, mas tão alto, como se voasse assim só para apressar agente, só para lembrar que a cidade estava longe, ainda longe, muito longe ainda. </p><p>Naqueles tempos, nunca me esqueço, eu ia ficando para trás com meu passo lento, curto, dificultoso. E não era porque eu me cansava mais que meus irmãos gêmeos, o Pequeno e o Pequenino, não! Era porque o sapato preto que eu usava, pesava muito, muito. Ele era pesado demais para o meu corpo. </p>

(56 pgs.|6 capítulos | 14.149 palavras |77.355 caracteres com espaço)

Infanto-juvenil

Novela

Vó Chica, recém-alfabetizada, escreve sua história de vida como um presente para deixar

para os netos.

Ter voltado a andar superando a paralisia infantil, assim como aprender a ler, dão provas

de sua profunda fé, força de vontade e espiritualidade. Essas e outras histórias (que o

autor transfere voz para Vó Chica) partem do testemunho verdadeiro de uma pessoa de

parcos recursos, nascida na roça, devota de Nossa Senhora Aparecida.


Uma história puxa outra como um trem, narrada pela avó que se dirige às crianças

que são seus netos, não é, por isso, um livro destinado apenas ao público infantil ou

juvenil – embora também possa sê-lo. Mas pelo fato dessa avó ter sido alfabetizada em

idade avançada, o livro mescla a linguagem simples e direta com experiências profundas

de vida e que irão tocar um público mais amplo – da criança ao adulto – especialmente

aquele mais sensível a exemplos de crescimento espiritual.

Por sua característica de linguagem e pelo próprio tema, o livro não deixa de ser um

incentivo à leitura e escritura e por isso se presta também como apoio didático para

programas educacionais, principalmente aqueles voltados para alfabetização de jovens e

adultos, como os que são ministrados pelo Brasil afora, em associações, paróquias, clubes,

empresas etc.