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Anos de chumbo e outros contos

Autor

Chico Buarque

Editora

Companhia das Letras

Tradução

Rabinho (Conto: Meu tio)

“... Por sorte, logo adiante ficava a concessionária Mitsubishi onde meu tio tinha comprado o carro uma semana antes. Ao saltar, ele foi saudado por um vendedor que usava a máscara da covid. Fez o vendedor largar outro cliente, que parecia interessado num sedan, e lhe mostrou os danos. Com uma cara infeliz, o vendedor passava a mão na capota como que alisando um cavalo. Meu tio precisava de um carro reserva enquanto consertavam o seu. O vendedor pediu um minuto para ver que veículo tinha à disposição, mas o meu tio exigia um carro igual ao dele, como aquele branco da vitrine. Aquele só poderia ser cedido para um test drive, de acordo com o vendedor, no máximo por meia hora. Meu tio levantou a voz, chamou o sujeito de babaca e perguntou pelo gerente. Respirou fundo, me deu

duas notas de cem reais e pediu que eu fosse à farmácia ao lado. Não podia ir pessoalmente porque é bastante conhecido no bairro e não ficava bem para ele comprar Viagra num balcão de farmácia. O farmacêutico também usava máscara e vendeu o remédio me estranhando. Os fregueses em volta, mesmo os de máscara, dava para ver que riam de mim. Devem ter pensado que só mesmo uma garota muito suburbana vai às compras de biquíni. De volta à concessionária, encontrei meu tio de conversa com o gerente, que usava uma máscara semelhante a um bico de tucano. O vendedor trouxe o carro que estava em exposição, irmão gêmeo do nosso, sem placa. Na suíte Premium do motel Dunas, meu tio encomendou um balde de cervejas, uma coca-cola e dois cheesebúrgueres. Ligou a televisão e depois do lanche me mandou tomar banho na jacuzzi. Eu ainda estava me enxugando quando ele me puxou para a cama. Sem tirar os óculos escuros, comeu meu rabinho me mordendo a cabeça. Depois se deitou de lado e passou um bom tempo acariciando meus cabelos lisos que nem os da minha mãe. Daí me contou em segredo seu próximo projeto, que é comprar um avião. Prometeu que eu seria a primeira a voar com ele. Enumerou vários destinos no Nordeste e no exterior, mas sua fala foi ficando devagar até que ele dormiu. Mudei o canal de televisão, do pornô para uma série americana que eu já conhecia mas não recordava bem. Só no terceiro episódio meu tio acordou no susto e berrou comigo porque deixei que ele dormisse até aquela hora. Disse que ia ter problemas em casa, pagou a conta com várias notas de cem, saiu de ré da garagem apertada e raspou o para-lama dianteiro na parede. Como morava ali mesmo na Barra, me fez saltar na avenida e me deu dinheiro de sobra para o táxi. “

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Chico Buarque

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Idealizado por Afonso Machado - Todos os direitos reservados

Design e mentoria por Victor Luna

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