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O mestre dos games
Autor
Afonso Machado
Editora
Ática/Série Vaga-lume
Tradução
Os dedos nas teclas do game, atento para qualquer emergência (Início do capítulo 7 – Acaso)
“ ... Renato se viu, então, diante de uma clareira.
Depois que decidiu seguir pelo lado leste da encruzilhada, depois que pareceu ter sido um arco-íris sobre a sua cabeça, chegou à clareira.
Imediatamente pensou que sua decisão tinha sido acertada, pois estava num lugar muito diferente de tudo que havia visto antes. Por um momento, enquanto caminhava apressado por entre as flores que cresciam baixas colorindo a trilha, teve a impressão de que estava sendo vigiado. Parou de repente e olhou ao redor; os dedos no controle do game, prontos para um movimento rápido. Deu mais alguns passos, parou e olhou subitamente para trás, como fazem os detetives nos filmes: não, ninguém por ali o espreitava, era apenas impressão.
Nada além das flores ao redor, balançando suavemente com o soprar do vento, para lá e para cá. Nada além das cores delicadas e ondulantes, como num balé mágico a implorar audiência. Ah, como gostaria de estar naquela clareira ao lado do avô e desfrutar com ele a beleza da paisagem. Como o avô iria gostar de ver todas aquelas flores juntas, sentir o perfume, ver os pássaros sobrevoá-las. Como gostaria de mostrar ao avô o local mágico que encontrara. Mas não havia tempo. Não podia permanecer ali ou em qualquer lugar que fosse por mais de um segundo. Precisava, antes, encontrar o avô. Precisava caminhar o mais rápido possível.
Seguiu pela trilha que atravessava a relva em toda a sua extensão. De repente, a sensação de que estava sendo observado voltou a se intensificar. Olhos que o vigiavam desde a mata. Mas, por mais que tentasse, não conseguia localizá-los. Com todo o cuidado do mundo, com firmeza, continuou a cruzar a clareira, quando começou a sentir um cheiro diferente, que não parecia ser só o do perfume das flores. Talvez um cheiro de comida. Comida sendo preparada, pensou consigo mesmo. Sim, sim, poderia ser! Um cheirinho bom de feijão no fogo. Um aroma tão inebriante que o fez lembrar de sua casa e até ouvir o barulho ritmado da panela de pressão. Porém, a fome era tanta que poderia estar apenas imaginando, tal como acontece com as miragens no deserto, pensou. Há quanto tempo não comia nada além de bananas que amarelavam nos cachos e uma ou outra fruta que ia encontrando pelo caminho? Ninguém era capaz de imaginar a fome que sentia!
Renato tentou se deixar conduzir pelo cheiro. Mais à frente a clareira terminava e voltava a dar lugar ao mato denso. Procurou por um local onde fosse mais fácil penetrar na mata. Com muito cuidado, decidia onde colocar os pés para que um espinho ou, pior, uma cobra, uma aranha, ou o que quer que fosse não o surpreendesse. Perdera um pé do tênis ao se livrar do ninja, e tivera que se desfazer do pé que restara para facilitar o equilíbrio. Agora, porém, o tanto que correra, o tanto que já caminhara descalço, fizera que desse passos mais decididos. As solas dos pés já não doíam como antes.
O cheiro parecia cada vez mais intenso. Foi então que uma cor vermelha começou a se destacar entre o verde-escuro da mata. Renato localizou o telhado não muito longe de onde estava, num declive, na encosta de um morro que se descortinava bem à frente. Apressou o passo esperançoso, mas, ao mesmo tempo, com cautela. Tudo parecia calmo. Chegou a pensar que jamais alguém escolheria um lugar assim para morar, longe de tudo. Aguçou ainda mais os sentidos, os dedos nas teclas do game, atento para qualquer emergência.
Sim, era uma construção pequena, inacabada, cercada de mato por todos os lados. E era tudo. Como alguém poderia viver num lugar daqueles?
Renato podia ver a chaminé e a rala cortina de fumaça subindo em mechas e se desfazendo no céu. E que se desprendia (a fome aguçou sua imaginação) do feijão que cozinhava lentamente num fogão a lenha. Era a prova que faltava para se certificar de que realmente morava alguém ali, mas ele precisava ser cuidadoso. Por isso continuou na espreitada, agachado entre os arbustos, sem saber como agir.
Foi quando concluiu que aquele era um esconderijo perfeito.
De repente, a porta se abriu. Em seguida, Renato viu surgir um cão, um enorme cão rajado. Tinha a cabeça tão grande, tão grande, que parecia duas. O cão atravessou a soleira da porta e parou, atento. Levantou as orelhas, que em seguida se aprumaram em linha, e começou a farejar o ar em sua direção. ”
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Afonso Machado

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