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O mundo é estranho nessa hora
Autor
Afonso Machado
Editora
Citoliteratos/Amazon
Tradução
Aceita uma xícara de chá?
“ ... Anos atrás, quando tomei a decisão de me tornar escritor, escolhi alguns textos – que na época julgava bons – e, com uma coragem que perdi, fui à casa de um artista; um pintor de nome conhecido.
Ele me recebeu com cortesia. Passamos direto ao seu ateliê; eu ansioso, porém preparado para falar do motivo de estar ali com meus textos. Ingênuo – hoje sei – com o meu projeto de vida e de escritor.
O pouco que consegui falar, confesso, ele quase não ouviu. Estava mais ansioso do que eu para falar. E falou de sua vida, de suas obras, de suas vantagens e desvantagens e de seus problemas que não eram poucos. Dos bastidores das exposições, das engrenagens do mercado artístico, dos marchands, da disputa com outros artistas, da inveja, do ódio, do alto preço da fama. Eu o ouvia com a máxima atenção (passados tantos anos, seria capaz de repetir suas palavras, recordar o tom de sua voz); enquanto falava, ele pincelava de azul uma enorme tela. Me pareceu o fundo do mar.
Então imaginei meus textos – que ficaram esquecidos sobre a mesa – vagando ao sabor do vento naquela superfície azul. E fui me sentindo como um comandante que vê seu navio afundar.
Ele falou de si e preencheu quase toda a tela enquanto estive com ele. Citou principalmente um crítico, também de nome conhecido, de quem eu não deveria chegar perto, evitando, como disse, assassinar minha própria carreira.
Passado um mês ou pouco mais, voltei para saber sua opinião sobre os textos. E tudo o que ouvi relacionado a eles foi se eu aceitaria uma xícara de chá.
— Aceita uma xícara de chá?
Quando ele recomeçou a falar de sua vida, tentei localizar a tela azul em meio a tantas outras telas em seu ateliê. E ao vê-la, encostada, já esquecida num canto, perdi todas as esperanças e expectativas de saber sobre meus textos. E olhando para a tela, imaginando aquele mar, foi que compreendi a frase de um livro antigo, que amo, de um sábio chinês, que ensina:
“Se a água não se acumular suficientemente, desde as profundezas, não terá forças para sustentar um grande barco.””
Mais de
Afonso Machado

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